terça-feira, 24 de março de 2009

Irmã da Terra

Resolveu enfiar os dedos na terra. Colocou unha por unha, dedo por dedo, até encaixar naquele marrom molhado e fofo os dois pés inteiros. Sensação... Sensação... Resolveu enfiar mais. Sentou-se e aos poucos o solo úmido foi grudando em sua pele que jazia nua no jardim. Sentiu o gelado de baixo combinar com o nublado do céu e com as gotículas que caíam e se agarravam em suas pestanas. Calafrio. Sensação... Deitou-se. Mergulhou no barro, fantasiou-se com o caldo da natureza, esfregou cada parte do seu corpo e sentiu prazer em tocar até na ponta de seu nariz. A nuca beijava a terra; ela era sua amante, sua delícia cremosa... Olhou para o céu e a neblina densa que existia imprensava-a e fazia força contra seu peito num interminável abraço forte. Sensação, muita sensação... Gemeu. Delirou febril imersa ao barro, entre gozo e dor, na falta de respiração e no êxtase...Fez de si irmã da terra, do real, e, depois desse dia, ela desapareceu.

sábado, 21 de março de 2009

Montauk

"por detrás da cortina que eu ainda
não instalei você vai abrir a porta
que ainda falta construir vai passar
por um corredor que um dia ainda
há de haver e dizer coisas lindas

que eu não vou ouvir."




"A Partir de Amanhã eu Juro que a Vida Vai Ser Agora", de Gregorio Duvivier.

A História das Coisas

A História das Coisas

http://video.google.com/videoplay?docid=-7568664880564855303

Uma boa dose de realidade pro ser humano.

Assista!

domingo, 8 de março de 2009

Dia Internacional da Mulher



Poema para todas as mulheres




"No teu branco seio eu choro.

Minhas lágrimas descem pelo teu ventre

E se embebedam do perfume do teu sexo.

Mulher, que máquina és, que só me tens desesperado

Confuso, criança para te conter!

Oh, não feches os teus braços sobre a minha tristeza não!

Ah, não abandones a tua boca à minha inocência, não!

Homem sou belo

Macho sou forte, poeta sou altíssimo

E só a pureza me ama e ela é em mim uma cidade e tem mil e uma portas.

Ai! Teus cabelos recendem à flor da murta

Melhor seria morrer ou ver-te morta

E nunca, nunca poder te tocar!

Mas, fauno, sinto o vento do mar roçar-me os braços

Anjo, sinto o calor do vento nas espumas

Passarinho, sinto o ninho nos teus pêlos...

Correi, correi, ó lágrimas saudosas

Afogai-me, tirai-me deste tempo

Levai-me para o campo das estrelas

Entregai-me depressa à lua cheia

Dai-me o poder vagaroso do soneto, dai-me a iluminação das odes, dai-me

o cântico dos cânticos

Que eu não posso mais, ai!

Que esta mulher me devora!

Que eu quero fugir, quero a minha mãezinha quero o colo de Nossa

Senhora!"



Vinicius de Morais




A MULHER MADURA
(Afonso Romano de Santana)

"O rosto da mulher madura entrou na moldura dos meus olhos.
De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de um joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.
Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites do seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.
A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe.
O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.
A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.
A adolescente,com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas.
E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.
O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições já se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência, uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos,apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.
Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.
Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente.
Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.
Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.
A mulher madura está pronta para algo definitivo.
Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e das crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.A mulher madura é um ser luminoso, é repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.
Sobretudo o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar."

sábado, 7 de março de 2009

Em algum lugar do Nordeste...



Pode aproximar
Pode reagir
Pode admitir
Ou nem perceber
Quando ela chegar, vai doer no olhar
Vai modificar a luz dessa noite

Se eu olho pro sol é pra cegar o juízo
Também não tem como fechar o olho pra você
Veio na madrugada
É só um pouco disso tudo que eu preciso

Se eu olho pro sol é pra cegar o juízo
Enquanto o gelo derrete a água ta subindo
O chão, sacudindo
A gente tem juízo, mas não usa!

Tem Juízo Mas Não Usa - Lula Queiroga