sábado, 24 de março de 2012

uma dor sem nome


A mãe ainda está paralisada à soleira da porta com sua tigela do almoço à mão. Olha o vento, que alisa o rosto. A calma rua ainda demonstra mais um dia de domingo, cidadãos pacatos e seus hábitos matinais movimentam timidamente a cidade. Acima um céu azul e grande o suficiente para doer, abaixo o calor da calçada que lhe sobe os pés. Seus olhos abertos; maltrapilhos diante do vazio que a mulher sustenta – a mulher sempre há de sustentar, são duros e secos como grandes grãos opacos. O corpo, em pé, prostra-se na alma. A mãe ainda pode vê-la vindo ao seu encontro, cruzando a rua com seus cabelos longos e pretos: “Feliz dia das Mães, mãe!” E ainda pode sentir o cheiro da filha, o peito em flor, as mãos, os braços e os corpos entrelaçando-se do mesmo sangue em respiro e toque. E com todo preparo e zelo a mãe coloca seu almoço à mesa, e seu dia comemoram junto ao pai e irmãos. A mãe a vê vindo à vida berrando e ainda ensangüentada. Linda. E depois disso anos se sucederiam até a coluna encurvar, as rugas crescerem e todos irem à terra... Mas hoje não há almoço e o alimento apodrece em suas mãos. E também não é pela vida que sangue se derrama à 190 quilômetros por hora. A filha está amassada na mureta da ponte em foto de jornal. E com suas linhas no rosto, a mulher, de pé, olha o vento de alma esvaída e ama devaneios. Então espera.