sábado, 2 de maio de 2009

Decisão

Ela bufou. Fechou os olhos e respirou a escuridão funda. Não aguentava mais o som do ronco dele, era o barulho mais irritante que já escutara. A cada dia ficava pior. O estardalhaço inconsciente dele arravanha os ouvidos dela e a inundava de impaciência. 5 anos aguentando a mesma coisa; o mesmo beijo, o mesmo jeito, a mesma cama, a mesma chatisse... Sentiu vontade de gritar. Uma lágrima caiu. Teria que se separar dele? Será que essa seria a única solução? Sentiu um aperto no peito. João acima de tudo era um homem bom, ela sabia disso. Ele era atencioso, paciente, correto - até demais - , educado, carinhoso... A família dela inteira gostava dele. Seu avô fazia questão de lembrá-la que futuro pai como ele, não haveria de ter. Depois de viver a infância chorando as indiferenças de seu pai, ela tinha se prometido que daria uma paternidade decente à sua próxima geração. E é isso que faria.
Mudou de idéia.
Não havia cabimento se separar de João, e nem tempo para a separação. O mais importante era seu filho, que ainda nem tinha chegado e nem estava pra vir, mas que um dia estaria entre nós e isso era o mais importante. Ponto.
Virou de lado, tentando esquecer o barulho que vinha da boca dele. Procurou a calma em vários carneirinhos e cerquinhas, mudou a posição dos braços, colocou o travesseiro na orelha de cima; tudo em vão. João não calava a boca, e Mariana não conseguia dormir. Sentiu vontade de acordá-lo só para mandá-lo pr'aquele lugar. "Não, não, não perca as estribeiras, Mariana", pensou. "Seu filho, que ainda nem chegou e nem está pra vir, mas que um dia estará entre nós precisará de um pai bom, é isso que importa". Tentou relaxar... lembrou que bom pai ele seria... sentiu-se mais calma. Bom. Agora tudo estava tranquilo, a não ser o barulho do ronco de João... Esse barulho... Esse mesmo barulho de 5 anos... "essa mesma boca de 5 anos... boca que sai barulho, boca que eu toco, boca que eu beijo, boca que pronuncia o meu nome, boca que ronca..." Mariana se sentiu enojada. Boca que ronca é demais. Virou para o lado procurando esquecer a expressão que tinha lhe vindo à cabeça e sentiu, naquele momento, exatamente naquele momento, o CHEIRO do ronco. Chega. Era totalmente necessário fugir dali. Pensou no filho. Mas, afinal, que filho? Deciciu não sofrer por algo que ainda nem tinha acontecido. Abriu sua mala, enfiou algumas roupas dentro. Colocou a primeira roupa que viu à sua frente, pegou a carteira, verificou dinheiro, cartão, cheque. Abriu a porta. Parou. Voltou, pegou um pedaço de papel qualquer que tinha em cima da escrivaninhae uma caneta do bob esponja. Acendeu o abajour e pôs-se a escrever:
"Não disperdice tempo; não tente entender. Fui embora e não penso em voltar, nem pra pegar o resto das roupas. Cuida bem da Lolô, não esquece
que ela come três vezes ao dia a ração que está em cima da geladeira. Se não quiser ficar com ela, tudo bem, mas não me procure para me devolvê-la.
Não me procure em hipótese alguma. Desulpe por isto... Mas acho que já era a hora. Fique em paz."
Colocou o bilhete num lugar à vista, apagou o abajour e bateu a porta.

Uma semana depois, descobriu que estava grávida.


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11 comentários:

Alonso Zerbinato disse...

Você voltaria? Pensaria com a cabeça, com o coração ou com a barriga, agora habitada? Pesaria o fato da ausência paterna na infância? Qual a profundidade desse abismo? Optaria por "filhos criados por pais separados e felizes" ou "filhos criados por um casal de pais casados e infelizes"? Livrar-se do egoísmo não significa pisotear o próprio orgulho e desistir da própria felicidade. Filhos são os reflexos dos espelhos que os pais constrúiram junta ou separadamente. Filhos não são algemas, não são correntes, são elos afetivos que a distância não pode quebrar. Parabéns pelo texto. Despertou-me uma reflexão interessante. Bons dias. Até!

Pod papo - Pod música disse...

Olá!
Parabéns pelo texto, eu nunca tinha lido algo sobre esse assunto "ronco". Eu acho que no lugar da personagem do teu texto, eu não me sepraria do meu marido por causa do ronco dele, só se a situação estivesse mesmo insustentável, mas ficar com um homem só por causa dos filhos, isso jamais, eu jamais faria isso, acho que seria uma agressão emocional comigo mesma.

Beijão!

Anônimo disse...

Oi, Juliana!
Anda sumida, menina... Passo todos os dias aqui pra dar aquela bisbilhotada básica. rs
Muito bom o texto, hein?!
Já encaminhei pra alguns amigos.

Trabalho e sucesso!

Beijos,
Daiane.

Guilherme Jarreta disse...

Hum.. sou da teoria que Mariana é uma maluca!
Quem vive com a cabeça no passado mirando no futuro só pode ser descompensada. O momento é o agora. Nada existe além disso. O que passou já era... e o futuro? À vida pertence!
Ela jamais deveria ter ficado lá, com nojo e deixado a situação chegar naquele ponto.. se o presente, o dia a dia, a encomodava tanto, simplesmente não tinha sentido.
Ah.. e ela estava grávida?
Pois é.. talvez ela tenha cometido o mesmo pecado que sua mãe: viver deslocada do tempo.
É por isso que Mariana ficou tão comovida. É como se fosse um "dejavu", mas agora protagonizado por outra pessoa!
Talvez tudo Mariana quisesse fosse carinho e atenção.. se sentir amada.. e não um filho.. e muito menos um pai pra ele! Pelo menos não naquele momento!

Habbo disse...

Oww amoour da minha vida faz um Twitter pra vc *-*

Felipe disse...

Poow que fim da Manuela né ? ;(

MariiAne disse...

Interessante esse textoo..

Maurício Bettini disse...

PArabens....

Eu só não queria que a MAnu tivesse morrido mas blza...rs

Grande abraço
MAuricio Bettini

http://mauriciobettini.blogspot.com

Thi disse...

o título do texot inha de ser: a mesmice da vida.

ninguém suporta conviver sempre na mesma rotina. acorda, café, trabalho, casa, namora um pouco, dorme. e isso, no texto, sucessivamente durante 5 fuckin years!!
não existe uma pessoa que suporte isso!
e não tem essa de que a família dizia que ele seria isso ou aquilo. quem garnte no teto que ele não foi o primeiro namorado dela? e que daí virou noivo, e posteriomente, marido.

chega uma hora, que se o café não vier após uma conversa ou troca de carinhos, a casa cai pra um dos lados. foi o caso da 'Mariana'.

é por isso que eu digo: TODO mundo diz que AMA seu(sua) atual companheiro(a). mas e a prova que ama mesmo? não provar pro outro, mas pra si próprio. cadê a promessa do 'até a morte os separe'? é..não existe mais. não estamos mais em 1950 ou anterior à isso.
e não me venham dizer que estou sendo piegas ou mesquinho pra duvidar do amor..
não duvido do amor. apenas quero saber até que ponto ele realmente chega. se chega. em 5 anos a menina deve ter amado o cara. mas por causa da mesmice, o amor acabou.
bem..se era AMOR, não deveria ter acabado, certo? é.

e quanto ao fato dela estar grávida e vir a ter 'pai ausente', isso é bobeira.
quem se separou foram os pais, não o filho.
portanto, quem tiver uma cabeça BOA, nunca será ausente. e, se duvidar, mais presente do que se tivesse casado.

--

quer dizer q vc morreu na novela? nem vi. senao tinha mandando um sms. kkkkk

beeeeijao Ju!

Jay disse...

Bom demais esse texto.
té mais

Aline Reis disse...

eu to adorando os posts do teu blog, muito bons, parabéns :)